A discussão a seguir é a respeito da ação da peçonha de uma tarântula gigante em uma jararaca. Para entender melhor o mecanismo, assista o vídeo abaixo.
Vemos no vídeo
que apesar da apesar do tamanho menor e contra todas as previsões a
aranha foi quem devorou a cobra. Outro vídeo de uma briga entre esses
dois animais pode ser assistido em HD no site do canal Animal Planet.
A jararaca (Bothrops jararaca)
possui ampla distribuição no sudeste da América do Sul e associado ao
domínio da Mata Atlântica; é encontrada também em áreas antrópicas.
Possui hábitos noturnos e se alimenta principalmente de pequenos
roedores. ¹
Seu veneno é
uma mistura de enzimas, peptídeos e proteínas de pequena massa
molecular. Uma dessas proteínas, a jararagina (família das
meloproteinases), teve seu funcionamento elucidado recentemente, ela
possui ação hemorrágica e se acumula proximamente aos vasos sanguíneos
². Estranhamente (ou não) seu veneno também causa distúrbios na
coagulação, ativando o fator X e a trombina; ou com ação semelhante à da
trombina, convertendo fibrogênio em fibrina. Dessa forma se consumem os
fatores da coagulação. ³
Outros
componentes do veneno são: hialozimas (enzimas facilitadoras da difusão
de líquidos injetáveis); citolisinas (causam inflamação local, necrose e
dano ao epitélio vascular); e principalmente fosfolipase A, que
desarranja os componentes fosfolipídios da membrana celular, impedindo o
fluxo de íons de cálcio. Essa serpente é responsável por 90% dos
acidentes ofídicos do país. 4
A tarântula gigante (Theraphosa blondi)
também conhecida como tarântula gigante comedora-de pássaros é a maior
aranha do mundo. É encontrada na América do Sul, principalmente na
floresta Amazônica e, apesar do nome, raramente se alimenta de pássaros,
sua dieta é principalmente composta de invertebrados. Mesmo como todo o
“alarmismo” notado durante o vídeo, a tarântula gigante é muitas vezes
utilizada como animal de estimação, pois sua picada apesar de imobilizar
pequenos animais, em humanos é comparada apenas com uma ferroada de
vespa. 5
vídeo da NatGeo a respeito da tarântula gigante
Quase todas as
espécies de aranha apresentam glândulas de veneno que produzem
neurotoxinas proteicas, mas poucas dessas espécies (por volta de doze)
são consideradas perigosas para humanos 6. A atividade neurotóxica é devido à interação dos
componentes do veneno com receptores celulares, canais iônicos em particular. Pesquisas
têm mostrado que venenos de aranha são fontes de peptídeos ligantes altamente
específicos para canais de sódio, potássio e cálcio; canais responsáveis pela
excitação da membrana celular e transmissão de sinais elétricos; bloqueando-se
os impulsos nervosos para os músculos, a vítima fica imobilizada 7. As
aranhas têm um par dessas glândulas, e em volta delas há músculos para que possam
pressionar o veneno através do duto até sair em suas presas ocas. 6
A aranha então regurgita enzimas digestivas sobre a
presa; dessa forma, a digestão inicia-se externamente. A aranha posteriormente
irá sugar os nutrientes em forma líquida.
Se a cobra se antecipasse ao ataque da aranha, esta
provavelmente não seria predada pela cobra. O veneno das cobras é altamente
especializado para certos tipos de presa 8; e a aranha não está
nessa lista. O sangue da aranha é totalmente diferente do sangue dos vertebrados.
O sangue dos invertebrados, a hemolinfa, tem a hemocianina como proteína
responsável pelas trocas gasosas, enquanto os vertebrados utilizam a
hemoglobina para essa função. Além disso, a locomoção das aranhas não é
controlada apenas pela contração dos músculos 9, é utilizada principalmente a
pressão hidrostática para isso. 10
Talvez a grande tarântula não tivesse tanta sorte se
encontrasse um dos predadores mais especializados em sua caça, a vespa
caçadora (tarantula hawk). Essa vespa caça aranhas para serem hospedeiras de
seus ovos. As larvas que eclodirem irão devorar a tarântula ainda viva 11.
Mas isso já é assunto para outro dia.
vespa caçadora (tarantula hawk)
Referências
1. HARTMANN, Paulo Afonso; HARTMANN, Marília Teresinha; GIASSON, Luis Olímpio Menta. Uso do hábitat e alimentação em juvenis de Bothrops jararaca (Serpentes, Viperidae) na Mata Atlântica do sudeste do Brasil. Phyllomedusa: Journal of Herpetology, Piracicaba, p. 35-41. 31 nov. 2003. Disponível em: <http://www.phyllomedusa.esalq.usp.br/articles/volume2/number1/213541.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2013.
2. ALCÂNTARA, Alex Sander. Veneno da jararaca tem mecanismo desvendado. Disponível em: <http://agencia.fapesp.br/12532>. Acesso em: 25 mar. 2013.
3. FUNASA. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2 ed. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2001. Disponível em <ftp://ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/zoo/manu_peco01.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2013.
4. TEIXEIRA, Sabrina Schaaf. Caracterização funcional e estrutural de uma fosfolipase A2 ácida isolada do veneno de Bothrops pirajai. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 112p. 2009.
5. BECCALONI, Janet. Theraphosa blondi (Goliath bird-eating spider). Disponível em: http://www.nhm.ac.uk/nature-online/species-of-the-day/biodiversity/loss-of-habitat/theraphosa-blondi/>. Acesso em: 25 mar. 2013.
6. LEEMING, Jonathan. Medically Important Spiders. Disponível em: <http://www.wildlifecampus.com/Courses/MedicallyImportantSpiders/MedicallyImportantSpiders/IntroductiontoMedicallyImportantSpiders/1721.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2013.
7. AUSTRALIAN MUSEUM. Spider bites and venoms. Disponível em: <http://australianmuseum.net.au/Spider-bites-and-venoms/>. Acesso em: 25 mar. 2013.
8. MACKESSY, SP Biochemistry and pharmacology of colubrid snake venoms. Journal of Toxicology-Toxin Reviews 21 (1 & 2) , p 43-83. 2002. Disponível em: http://www.unco.edu/nhs/biology/faculty_staff/mackessy/colubrid.pdf>. Acesso em 25. Mar. 2013
9.
WEIHMANN, Tom; GÜNTHER, Michael and BLICKHAN, Reinhard. "Hydraulic Leg
Extension Is Not Necessarily the Main Drive in Large Spiders". The Journal of Experimental Biology 215 (4): 578–583. 31 out. 2011. Disponível em: <http://jeb.biologists.org/content/215/4/578.full.pdf>. Acesso em 25 mar. 2013
10. PARRY, D. A., and BROWN, R. H. J. (1959). "The Hydraulic Mechanism of the Spider Leg". Journal of Experimental Biology 36 (2): 423–433. 15 fev. 1959. Disponível em: <http://jeb.biologists.org/content/36/2/423.full.pdf>. Acesso em 25 mar. 2003
11. WILLIAMS, David B. Tarantula Hawks. Disponível em: <http://www.desertusa.com/mag01/sep/papr/thawk.html>. Acesso em: 25 mar. 2003.
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